Tecnologia

O engenheiro que dentro da Google luta pela sua privacidade

Stephan Micklitz é diretor de engenharia para a área da privacidade na Google e considera que o futuro da empresa depende, e muito, da confiança dos utilizadores. Apesar de todas as críticas que a gigante norte-americana tem sofrido, o responsável fala num «sentimento positivo» dos utilizadores relativamente à Google e à forma como os dados pessoais são usados e protegidos. O responsável sublinha ainda que a Europa tem tido um papel fundamental na definição de regras de privacidade em todo o mundo

Como uma das maiores tecnológicas do mundo, como uma empresa cuja parte do negócio assenta na exploração de dados dos utilizadores – para direcionamento de publicidade – e como uma empresa que consegue ter registo das atividades de mais de dois mil milhões de pessoas, a Google é também das organizações mais criticadas e escrutinadas em termos de privacidade a nível global.

E há razões para que isso aconteça: por exemplo, a tecnológica nunca disse aos utilizadores que 0,02% das conversas com o Assistente Google eram ouvidas por humanos com o objetivo de afinar a eficácia do sistema de processamento de linguagem natural da ferramenta. Uma falta de transparência e comunicação que a empresa já reconheceu ter sido uma má decisão. Há mais exemplos de como a Google geriu mal a privacidade dos utilizadores e que até já incluiu uma multa de milhões relacionada com os dados de crianças.

São exemplos como este que mostram a importância do trabalho de Stephan Micklitz. A nível global, a Google tem mais de 300 pessoas a trabalharem especificamente na área da privacidade. Destes, um terço trabalha num centro de desenvolvimento que a empresa tem em Munique, na Alemanha, centro esse do qual Stephan é líder e que, desde 2015, ocupa um dos cargos mais importantes na hierarquia de esforços de privacidade da Google.

«Há uma equipa central, mas dentro da equipa de cada produto também há pessoas a trabalhar nisso. A privacidade não é algo que possas construir a um canto, precisa de ser parte do design e do processo de desenvolvimento de qualquer produto», disse Stephan Micklitz, diretor de engenharia para a área da privacidade da Google, em entrevista à Exame Informática.

«Penso que as ferramentas que estamos a construir e providenciar estão a dar passos muito, muito grandes na disponibilização de maiores níveis de transparência e controlo e que as pessoas conseguem ver. Temos de ter dados para conseguirmos tornar os nossos produtos mais úteis para os nossos utilizadores», acrescentou.

Um dos trabalhos mais notórios da equipa de privacidade da Google é o portal My Activity, que centraliza num único local as principais interações que o utilizador teve com os diferentes produtos Google – que também inclui registos e gravações de todas as conversas que tiver com o Assistente Google. Funciona como uma one stop shop a partir da qual é possível ter uma visão mais abrangente do que é, afinal, isto de a “Google ter os meus dados todos”.

«Podes decidir não ter, de todo, qualquer armazenamento de dados em alguns dos nossos controlos, podes apagá-los ou podes descarregá-los», exemplifica Stephan Micklitz.

Resistir às críticas

O alemão reconhece que as críticas dos utilizadores, da imprensa e de políticos sobre as práticas de privacidade da Google acabam por ter impacto na equipa que comanda. «Sim, tem impacto, porque quando ouvimos um argumento que diz que não estás a dar o nível certo de conhecimento, é algo para a qual nós devemos olhar», sublinha o responsável. Mas são também estas críticas que fazem a empresa melhorar a forma como lida com os dados dos utilizadores

«Desde que lançamos a primeira versão [do My Activity], em 2015, e se comparares essa versão com a que temos agora, muito do feedback que recebemos dos utilizadores, os críticos, talvez do público mais especializado, isso evoluiu para um produto para o nível a que está atualmente e não vai parar aí», garantiu o líder de engenharia.

Dentro da Google a questão da privacidade é trabalhada de duas formas: aquela que está diretamente associada à utilização dos produtos da empresa, seja o sistema de localização Maps, o navegador Chrome ou o serviço de mensagens Gmail; e existe também uma equipa que trabalha a vertente da privacidade mais numa perspetiva da proteção dos dados na web como um todo – por exemplo, alguém que use o Chrome e não tenha uma conta Google deve ter, mesmo assim, ferramentas à sua disposição para uma navegação online mais privada.

Questionado sobre se o trabalho que faz – proteger dados dos utilizadores – não entra em conflito com unidades de negócio específica dentro da Google, Stephan Micklitz respondeu “ao ataque”.

«Nós temos discussões sobre isso, mas gostaria de dizer que há aí uma assunção implícita de que muitos dos dados são usados para fazer publicidade personalizada, o que não acho que seja verdade. Se olhares para a forma como um negócio de publicidade realmente funciona, uma parte significativa são anúncios na pesquisa e que funcionam na sua maioria através do contexto e não da personalização», defendeu-se.

Publicado por: Exame Informática