Julgamento com falta de condições do “tribunal” leva à saída de dez advogados da sessão

Dez advogados de um julgamento num tribunal improvisado no Auditório Municipal da Batalha saíram da sala face às faltas de condições de trabalho. A Advocatus foi conhecer esta história.

A falta de condições de um “tribunal improvisado” no Auditório Municipal da Batalha levou a que dez advogados se recusassem a permanecer na audiência de julgamento de um mega processo que junta 21 arguidos por tráfico de droga. Perante este cenário, o Juiz Presidente do Coletivo nomeou defensores oficiosos para os arguidos de um julgamento que deveria ser realizado no Tribunal de Leiria. Um julgamento que vai ainda na quarta sessão, sem ainda ter sequer havido produção de prova. A Advocatus foi perceber o aconteceu.

Com a pandemia, os tribunais tiveram que se adaptar à nova realidade e no caso do tribunal de Leiria não existiam condições para cumprir as obrigações sanitárias definidas pela Direção-Geral de Saúde para julgar este processo volumoso, que conta ainda com mais de uma dezena de advogados. Então foi improvisado um espaço para o julgamento do caso, o Auditório Municipal da Batalha.

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“No palco do auditório estavam posicionadas três secretárias relativamente grandes para o coletivo de juízes e uma secretária para a senhora procuradora. Em baixo no palco estavam mais duas secretárias como se fosse um “T”, que são para os funcionários judiciais que estão a dar apoio ao julgamento. E aos advogados era dado uma cadeira com uma de intervalo, sem fila de permeio, não existia corredor central, existindo apenas uma fita a separar o lado dos arguidos do dos advogados, com umas mesas, que parece que foram aprovadas pela Direção Geral da Administração da Justiça, de 45 por 55 cm”, descreveu uma advogada do caso, Raquel Caniço, em conversa com a Advocatus. Contactada pelo ECO, fonte oficial do Ministério da Justiça não se mostrou disponível para explicar este episódio.

Logo na primeira sessão os advogados insurgiram-se contras as condições de trabalho, pois não tinham conhecimento de um plano de contingência, ou seja quanto tempo poderiam permanecer dentro sala, não estava respeitado o distanciamento, a casa de banho era unissexo e sem “fechadura”. Apesar de à entrada ter sido medida a temperatura corporal e de ter sido feito a desinfestação dos pés e das mãos.

Raquel Caniço

“Já na altura houve um colega que invocou paralelamente a essa questão por força da Covid a questão das condições de trabalho efetivo. Isto é, dizendo que, salvo melhor opinião, aquela mesa não supria as nossas necessidades, porque é um processo com 30 volumes mais 20 apensos, escutas telefónicas, com cerca de 21 arguidos, alguns colegas patrocinam mais que um arguido que por força da produção de prova obriga a ter mais que um dossier aberto“, explicou a advogada.

Mas essas mesas tinham ainda outro problema. Como contou Raquel Caniço à Advocatus, os advogados invocaram também que esse objeto, da maneira como estavam disposto, eram um obstáculo no caso de ocorrer um sinistro.

Face aos problemas apontados, Raquel Caniço assegurou que o presidente do Coletivo de Juízes apenas se pronunciou no sentido de resolver a situação do plano de contingência, deixando os restantes apontamentos dados pelos advogados para um futuro próximo.

Da Batalha para o auditório de Pombal

Na segunda sessão, no mesmo auditório, foi apresentado o plano de contingência, só que esse plano estava perspetivado para o uso “normal” da sala, ou seja, para espetáculos. “Não era adequado ao funcionamento de um tribunal”, acrescenta a advogada. Nesse dia de manhã, uma adjunta da Delegação da Saúde foi verificar as condições e constatou várias falhas, pelo que vetou o plano.

Na terceira sessão as mesas mudaram de sítio, mas sem distanciamento social. “Não era possível porque o auditório é relativamente pequeno manter uma fila de intervalo, o plano de contingência mantinha-se o mesmo, portanto não havia alterações específicas para aquele julgamento“, notou.

Desta forma, o Juiz Presidente da Comarca de Leiria indicou que a quarta sessão realizar-se-ia no Auditório Municipal de Pombal. Mas a grande confusão instalou-se nessa sessão. Na entrada deixou de ser medida a temperatura corporal, as condições de trabalho escasseavam e as mesas regressaram novamente para os lugares, “mas agora já era no topo da fila”.

“O Juiz Presidente do Coletivo ainda abriu a audiência para se poder pronunciar acerca de circunstância, como arguidos que faltam, e voltamos a invocar que não tínhamos conhecimento da planta para a circulação, e entretanto o senhor funcionário diz ‘ah, encontrei agora aqui um termómetro, saiam lá todos outra vez'”, descreveu Raquel Caniço.

Com as repetidas e consecutivas falhas, dez dos 13 advogados naquela sessão recusaram-se a trabalhar naquelas condições e abandonaram a sala. Os três permaneceram, segundo a advogada, por razões de despesas já despendidas para estarem presentes naquele lugar.

“De imediato, o Juiz Presidente do Coletivo diz ao funcionário ‘proceda às novas nomeações de outros advogados que venham substituir’“, referiu. Assim, o Conselho Regional de Coimbra (CRC) realizou a nomeação solicitada, mas voltou a nomear os mesmos advogados que se tinham recusado da parte da manhã. Mantendo os mesmos pressupostos, vários advogados voltaram a recusar-se trabalhar.

Conclusão, o Juiz voltou a solicitar em despacho uma nova nomeação. “Ou seja, já vamos qualquer dia na terceira nomeação de advogados para vir substituir todos aqueles que se revoltaram naquele dia. Isto é grave”, explica Raquel Caniço à Advocatus.

A advogada envolvida no processo refere que o sucedido é grave, uma vez que os arguidos não podem ver nomeações sucessivas quando em momento algum, fossem oficiosos ou mandatários, recusaram “o patrocínio dos clientes”.

Os próprios clientes e patrocinados vão querer fazer menção na próxima sessão dizendo que não querem outro defensor oficioso“, conta. Segundo a advogada, desta situação vão ainda surgir inúmeras situações suscetíveis de recurso.

A Ordem dos Advogados já se pronunciou sobre o sucedido e considerou a situação de extrema gravidade e exige do Conselho Superior de Magistratura uma rápida intervenção, bem como do Ministério da Justiça.

Luís Menezes Leitão, bastonário da Ordem dos AdvogadosHugo Amaral/ECO

Constitui um verdadeiro atentado à advocacia um Tribunal mandar substituir um advogado que justificadamente se recusa a realizar um julgamento em condições que contrariam o Estatuto da sua Ordem. A Ordem dos Advogados manifesta, por isso, a sua solidariedade e apoio aos colegas afetados por esta situação”, referiu Luís Menezes Leitão, bastonário da OA, em comunicado.

Mas Raquel Caniço exige uma atuação mais célere e prática por parte do líder dos advogados. “O bastonário tem que vir a público, não basta um mero comunicado, e tem de ter uma manifestação efetiva e preponderante neste processo e noutros que porventura venham a surgir, e tem de pôr em causa estas nomeações que foram feitas, do meu ponto de vista eventualmente revogando-as, através dele ou do presidente do CRC. E repristinar as primeiras nomeações”, nota.

Publicado por: ECO