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Prevenir e tratar o cancro pela nutrição? Há uma app para isso

Um projeto académico “fora da caixa” da autoria de um universitário português está a cativar o interesse da comunidade científica. A ferramenta digital ainda está em fase de desenvolvimento mas a intenção é disponibilizá-la ao cidadão comum. Além desta, há outra, não menos promissora, orientada para ciclistas

Prevenir e tratar o cancro pela nutrição? Há uma app para isso

Tem 25 anos, começou por estudar Engenharia Biomédica, em Lisboa, e fez o seu mestrado de investigação (MRes Biomedical Research) com ciência de dados no Imperial College de Londres. Luís Rita anda nas bocas do mundo por ter criado uma app com recomendações alimentares em doentes oncológicos. A ideia de “converter átomos em bits” e contribuir para tratar e prevenir estes problemas de saúde podia ter sido apenas mais um projeto académico em medicina computacional. O trabalho, intitulado “Machine Learning for Building a Food Recommendation System”, foi premiado na categoria Digital pelo Top Talents Under 25 (prémio internacional dirigido a jovens da geração Z, promovido por organização alemã e semelhante equivalente ao da Forbes, para sub-30) e mudou-lhe a vida. Primeiro, por ter sido o único português, entre 721 candidatos de 45 países, a consegui-lo. Depois, porque o protótipo, ainda em fase de desenvolvimento, permite fazer um plano alimentar adaptado às necessidades de pessoas com cancro, tendo em conta as várias tradições alimentares. 

“Pretendia colocar a Inteligência Artificial ao serviço das pessoas doentes, de forma a poderem escolher os componentes dos ingredientes da dieta de acordo com os seus gostos”, esclarece o jovem universitário. Agora, que iniciou o doutoramento, Luís Rita tenciona ir mais longe e “estender o conceito a outras doenças crónicas”. 

Como funciona? 

Embora só esteja disponível para download na rede social dos programadores, “por não ser, ainda, um produto comercializável”, a app assenta numa base de dados a partir da qual é possível experimentar combinações de pratos e calcular a mais favorável, consoante o tipo de cozinha (europeia, americana, etc): “O utilizador coloca uma foto do prato que pretende consumir na app e recebe sugestões gerais de combinações de ingredientes com sabor semelhante.” Exemplos de combinações felizes, ou alimentos com propriedades anticancro: alho, galinha e cebola; tomate, manjericão e aipo; e mel e laranja. 

Para se chegar até aqui foi necessário construir uma base de dados com mais de um milhão de receitas, estabelecer correlações entre ingredientes e moléculas anticancerígenas e os efeitos das combinações alimentares na saúde. Este trabalho contou com a colaboração do supervisor Kirill Veselkov, do Departamento de Cirurgia e Cancro do Imperial College, que usa a inteligência artificial (IA) e o “machine learning”. Daqui nasceu a iniciativa de um livro de receitas com superalimentos.

Do laboratório para o quotidiano

Como se explica o impacto deste conceito, que alia a ciência de dados à medicina? “A app FoodReco mostrou que a dieta com o número mais elevado de moléculas anti cancro é a mediterrânica”, assinala Luís Rita. A pandemia, que trouxe a questão do fortalecimento imunitário para a mesa, revelou-se uma oportunidade para dar visibilidade ao projeto premiado. “Tornar a app comercializável vai permitir às pessoas atuarem por elas mesmas e dar à indústria, através de parcerias, o poder para fornecer menus mais saudáveis.” Este é um projeto é multidisciplinar, que envolve nutricionistas, médicos e especialistas em computação e não circunscrito ao Reino Unido: ”A equipa também tem investigadores de universidades americanas e a meta é conseguir ter resultados com alcance global.”

Se perguntassem ao miúdo alfacinha o que queria ser quando fosse grande, talvez nunca lhe ocorresse dizer que estava interessado em ciência de dados e saúde. “Sempre quis ser futebolista, como os rapazes da minha idade”, assegura o doutorando do Imperial College. A imersão no universo académico fê-lo mudar de ideias: a bola converteu-se num passatempo e a sua alimentação passou a ser mais à base de vegetais e frutas. “Quando escolhi um projeto como este, queria ser o primeiro a introduzi-lo na minha vida; senão, porque haveria de esperar que outros o fizessem?”

Comer e pedalar com ciência

As mudanças no estilo de vida de Luís Rita não se ficam por aqui e parecem conjugar-se bem com as suas digressões académicas. Já no final da conversa, não resistiu a falar do segundo projeto,  "Tornar-se Um Melhor Ciclista", também premiado no Top Talents Under 25. “Vou de bicicleta para a universidade, o que implica circular em zonas poluídas da cidade”, começa por dizer.  O novo coronavírus, que trouxe o receio de andar de transportes públicos, e a expansão da rede de ciclovias alavancada pela necessidade de “reduzir a poluição e minimizar as consequências negativas na saúde”, levou-o a estudar os circuitos e tempos despendidos a pedalar em Londres. 

Em cinco meses, encontrou a solução o problema: “Recorri a meio milhão de imagens do Google Street View e criei uma métrica que relaciona fatores de risco (presença de casas, camiões, ciclistas), juntei estatísticas de acidentes e de mortalidade e calculei o nível de segurança.” Dito assim, até parece fácil, quase como uma receita de culinária. E em certa medida, talvez seja, pelo menos para quem entende de algoritmos e tem uma mente talentosa. “O modelo pode ser aplicado a outras cidades”, remata, com entusiasmo na voz. Adivinha-se o que fez a seguir: alterou as suas rotas habituais, com ganhos em saúde. Entretanto, já estão em curso contactos no âmbito académico e autárquico, com a intenção de melhorar o algoritmo, contando, para isso, com o feedback do maior numero possível de ciclistas.

Publicado por: Visão

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