Marcelo e Costa: a paixão acabou, o casamento não

Depois de Tancos e Pedrógão, o Presidente não voltará a fazer declarações de amor exaltado ao Governo. Mas o casamento institucional é para manter. O tempo não está para divórcios.

O estado de uma relação política pode às vezes ser tão confuso como o de uma relação amorosa. O que se passa entre Marcelo e Costa talvez seja difícil de compreender porque esta relação política também utiliza os artifícios de algumas relações amorosas. 

As imagens que passaram nas televisões na noite de quinta-feira, com o Presidente e o primeiro-ministro em estado de felicidade, a passearem pelas ruas de Tavira e a visitar em conjunto o quartel onde António Costa assentou praça há 30 anos tinham um objetivo preciso: calar todos aqueles que identificavam no comportamento recente do Presidente da República um corte com o Governo presidido por António Costa. 

«É bom passear. A solidariedade institucional transformada em passeio», diz Marcelo aos jornalistas que querem saber coisas sobre a relação que parece já não ser bem o que já foi. Nomeadamente, se existe um «clima de tensão» entre os dois.

«Eu não estou tenso», diz Marcelo, que se vira para Costa e pergunta: «Você está tenso?». «Nada», responde Costa.

Digamos que já vários casais suspeitos de estarem em rutura se viram confrontados com perguntas destas - e obrigados a dar as mesmas respostas. E a sorrir muito, claro.

A verdade é que nada mudou na relação institucional: Marcelo é o Presidente da República amado pelo povo; António Costa primeiro-ministro de um Governo hoje considerado absolutamente estável, pela simples razão de que os partidos que o apoiam - Bloco de Esquerda e PCP - não se arriscam a deitar o Governo abaixo temendo serem prejudicados eleitoralmente, enquanto o PS sairia favorecido. Portanto, o Presidente não tem qualquer alternativa a conviver com esta espécie de maioria absoluta totalmente estável com quem trabalhará na base da mais completa cooperação institucional.

Isso é uma coisa. A outra é que, para o Presidente da República, existe um antes e um depois dos acontecimentos de Pedrógão e Tancos na sua relação com o Governo. Os elogios ditirâmbicos com que às vezes Marcelo mimava o Governo - e que punham a direita com os cabelos em pé - acabaram. Para sempre? Não se sabe. Mas acabaram por ora. 

Apesar dos resultados excelentes com a diminuição do desemprego (8,8% no primeiro trimestre), o Presidente da República não veio fazer qualquer elogio público. Ao contrário do que em circunstâncias parecidas sempre fez. Na semana passada, quando foram conhecidos os primeiros dados do INE que reviu em baixa a descida da taxa de desemprego de maio para 9,2% - o valor mais baixo desde 2008 - Marcelo foi tudo menos eufórico nos comentários. «É a continuação de uma evolução já prevista. E é um fator positivo que se deve reconhecer, não há dúvida», disse simplesmente o chefe de Estado. Marcelo não é frio e sabe o valor do seu comedimento. 

Relatório de Pedrógão pronto daqui a um mês e meio

As relações entre Marcelo e Costa esfriaram depois dos incêndios de Pedrógão Grande e do roubo de armas em Tancos. O Presidente da República não gostou que o primeiro-ministro tenha mantido as férias, desvalorizando o acontecido. Na altura, foi o Presidente da República a tomar o controlo das operações, tendo objetivamente obrigado o ministro da Defesa, José Azeredo Lopes, a deslocar-se com ele a Tancos. Nesse mesmo dia Azeredo tinha uma reunião nas instalações do Sistema de Segurança Interna, onde acompanharia Augusto Santos Silva e Constança Urbano de Sousa, mas foi ‘intimado’ por Marcelo a mudar de rota.

Quanto a Pedrógão, o dossiê está longe de estar encerrado e pode vir a ter consequências, depois de conhecidos o relatório da Comissão Independente, que deverá estar pronto daqui a um mês e pouco. E, evidentemente, aguarda-se pelos resultados do inquérito aberto pelo Ministério Público.

António Costa andou ontem a visitar as regiões fustigadas pelos fogos - mas já a pensar nas cheias de inverno, como ontem escreveu na sua conta oficial do Twitter, anunciou o desassoreamento da Albufeira do Alçude, em Coimbra, uma obra de 4 milhões de euros. «Não podemos controlar a Natureza, mas podemos fazer tudo para minorar os seus efeitos. Trabalhamos agora para prevenir as cheias do inverno», escreveu o primeiro-ministro. Costa não explicou o que fez para minorar os efeitos dos fogos do verão de 2017.

Da parte do Presidente da República, é certo que acabou o ‘colinho’. Mesmo que a fachada do casamento continue perfeita: António Costa levou pastéis de Belém para oferecer a Marcelo na reunião semanal que se realizou esta semana na capitania de Tavira e Marcelo ficou contente com os pastéis: «São ótimos para o meu jantar».

Também foi ideia de António Costa a visita conjunta ao quartel onde cumpriu serviço militar. Marcelo congratulou-se com a sugestão do seu primeiro-ministro: «Não é uma ideia sensacional?». 

O veto da Carris

A fabulosa coabitação institucional que Marcelo e Costa viveram até aos incêndios de Pedrógão Grande não impediu que Marcelo tenha utilizado já por várias vezes o instrumento do veto presidencial. Cinco vezes. 

Esta semana, o Presidente vetou a lei da Assembleia da República que proibia a concessão da Carris a privados. Na nota que acompanhou o veto, Marcelo justificou: «O regime em apreço, ao vedar, taxativamente, tal concessão representa uma politicamente excessiva intervenção da Assembleia da República num espaço de decisão concreta da Administração Pública - em particular do Poder Local, condicionando, de forma drástica, a futura opção da própria autarquia local».

Em Tavira, na quinta-feira, o Presidente afirmou defender que, no diploma, «devia haver uma maior maleabilidade permitindo-se uma maior intervenção das autarquias». «Imagine que amanhã uma câmara se inclina, por uma razão especial, de emergência ou necessidade, por uma subconcessão?», interrogou-se Marcelo.

Ao seu lado, António Costa disse que se irá «encontrar para a Carris uma solução idêntica à que se encontrou para o STCP [Transportes do Porto] e que está para apreciação do senhor Presidente mas só ele pode dizer se promulga ou não». 

Este casamento não é indissolúvel, mas vai continuar. A paixão é que tem prazo de validade. Na política como em qualquer outro ramo.

 

Publicado por: SOL