Barragem do Baixo Sabor: o ambiente ficou a perder ou a ganhar?
À primeira vista, a poucas centenas de passos, a barreira de betão que corta a corrente do rio Sabor não impressiona tanto como prometiam os seus 123 metros de altura (a estátua do Cristo-Rei incluindo o pedestal, mede 110 metros). Mas, quando se foca o olhar, dois minúsculos pontos numa plataforma móvel, a meio do muro cinzento claro, ganham formas humanas. Subitamente, com os homens como pontos de referência, a parede mostra-se colossal. Na verdade, apenas uma barragem portuguesa (a do Cabril) é mais alta do que esta.
Não é, no entanto, o impacto do paredão gigante na paisagem, até aqui uma das mais intocadas do País, que tira o sono a muitos ambientalistas, que travaram e continuam a travar, uma guerra contra a Barragem do Baixo Sabor
. O problema está a montante: nas águas que sobem e se preparam para submergir um dos últimos vales selvagens de Portugal e inundar uma área equivalente a um terço da cidade de Lisboa. "O rio tem pouco mais de cem quilómetros. Para cima de 40 vão ser destruídos", sintetiza Domingos Patacho, representante da Quercus
na Plataforma Sabor Livre, um grupo que junta várias organizações não-governamentais do ambiente.
"Aquele é um sítio de Rede Natura 2000 e Zona de Proteção Especial, de vegetação rica, com comunidades raras de buxo, uma planta que só ocorre no vale do Sabor. Mais de 300 mil árvores, a maioria sobreiros e azinheiras, foram abatidas. Zimbros, freixos." As medidas de compensação e minimização dos efeitos contrapartidas ambientais implementadas ou a implementar pela EDP, promotora e dona da obra não chegam para repor a ordem natural das coisas, garante Paulo Santos, presidente do FAPAS
(Fundo para a Proteção dos Animais Selvagens), porventura a mais ativa associação da Plataforma Sabor Livre. "O que diferenciava o nosso país está a desaparecer. Os vales eram o que sobrava de habitat natural.
Ficam lagos de barragem, que é o que há em todo o lado." A EDP, por seu lado, recorda os 70 milhões de euros gastos ou a gastar em medidas ambientais, arqueológicas e sociais. De que forma foi então compensado o incompensável?
RESERVATÓRIO DE ENERGIANos escritórios provisórios junto à barragem de jusante (a nove quilómetros da principal e já à vista da foz, no Douro), o diretor do projeto, Lopes dos Santos, enfatiza a importância ou inevitabilidade da obra.
"Apesar de ter só 170 megawatts (MW), a albufeira, com os seus mais de mil milhões de metros cúbicos, vai constituir uma enorme reserva energética, mudando a forma de gerir o sistema." Lopes dos Santos refere-se às quatro barragens a jusante, no Douro (Valeira, Régua, Carrapatelo e Crestuma), com uma potência instalada conjunta superior a 800 MW. Na prática, a albufeira, de capacidade semelhante à de Castelo do Bode, no Zêzere, servirá de reservatório para quando as outras represas necessitarem de água.
"O Baixo Sabor será o grande armazém de energia do rio Douro, cuja bacia é já o maior centro de produção hidroelétrica do País", explica.
O diretor de projeto não nega que a barragem irá alterar profundamente a paisagem, alagando uma grande área até aqui quase virgem. Mas mostra-se confiante no alcance das medidas aplicadas no terreno. Realisticamente, sem barragem a região nunca contaria com grandes investimentos na conservação da natureza, que podem vir a mostrar-se cruciais para espécies em declínio nos últimos anos, como o lobo, o corço, diversos morcegos, a cegonha-preta e algumas aves de rapina.
Os próprios ambientalistas admitem o valor de algumas medidas, ainda que as atribuam a uma imposição da Comissão Europeia e não à boa vontade da empresa. "As charcas para alimentação da cegonha-preta e os muros para fixação de répteis são interessantes, assim como os campos de alimentação interditos à caça para melhorar as populações de perdiz, que servirão de alimento natural das águias. Mas é preciso que, no futuro, haja fi scalização, para garantir que não haverá mesmo caça", diz Paulo Santos, do FAPAS.
VERBAS MAL APLICADAS?Outra das críticas das associações conservacionistas é a suposta aplicação a conta-gotas das medidas compensatórias. O último comunicado da Plataforma Sabor Livre referia uma implementação de apenas 49 por cento. Neste momento, segundo o representante da empresa, a taxa média de execução está nos 80% (com mais de metade das medidas já terminada), o que considera estar em linha com a evolução das obras na barragem. O relativo atraso é explicado com a necessidade de negociar e assinar centenas de protocolos com organizações locais e proprietários de terrenos.
De qualquer forma, o investimento não se esgota nos 70 milhões de euros. Anualmente, desde o início da construção da barragem, a EDP atribui 375 mil euros ao Fundo Baixo Sabor
, para financiar projetos de desenvolvimento sustentável e conservação da biodiversidade. Esse valor crescerá, após a conclusão da empreitada, para uma média de 525 mil euros anuais (indexado às receitas da barragem).
Mais uma vez, o que preocupa os opositores da barragem não é a teoria, mas a prática. "O Fundo, infelizmente, tem servido para outras coisas que não melhorias ambientais ", acusa Paulo Santos. "A comissão que o gere é controlada pelas autarquias e, devido aos critérios de seleção pouco recomendáveis, acabam por ser selecionados projetos que nada têm a ver com ambiente." O ambientalista assegura que já foi gasto dinheiro do Fundo em iluminação pública e em obras de melhoria de um posto de turismo.
Com mais ou menos defeitos, a barragem é um dado adquirido. De comportas entretanto fechadas, a albufeira deverá aproximar-se da cota máxima durante o próximo inverno. Depois disso, a paisagem do Sabor só poderá voltar ao que era no final do tempo de vida da infraestrutura já às portas do século XXII.
De muros para répteis a charcos para alimentação da cegonha-preta, além da plantação de árvores e gestão de áreas propensas a incêndios, foram várias as medidas para compensar e minimizar os impactos ambientais da Barragem do Baixo Sabor:
Três campos de alimentação para aves necrófagas;Publicado por: Visão