Economia

FMI alerta que Portugal está sem margem para mais austeridade

Para o FMI, há uma “fadiga de ajustamento” nos países alvo de ajuda externa. Passos Coelho ainda não garantiu défice.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) alertou ontem para o perigo de "fadiga" de austeridade nos países sob ajuda externa, considerando que a Grécia deve servir de aviso para os restantes países, Portugal incluído. A deterioração da actividade económica, diz o FMI, exige que se preste mais atenção às metas estruturais, ao invés das nominais, que serão necessariamente afectadas pela recessão. Num relatório sobre a execução orçamental, o BPI vai ao encontro das preocupações do Fundo e avisa - uma visão corroborada pelos economistas - que a adopção de medidas de austeridade adicionais pode tornar-se contraproducente.

Em véspera de publicar os documentos com as conclusões da última revisão ao programa português - serão conhecidos hoje -, o FMI veio alertar para os perigos de austeridade em excesso. "Nos três países da zona euro com programas suportados por financiamento da União Europeia e do FMI, o ajustamento está a prosseguir, mas a recente deterioração do clima político e económico na Grécia serve de aviso para a possibilidade de se estar a dar início a uma ‘fadiga do ajustamento', o que é uma ameaça à continuidade da implementação dos programas" de consolidação, pode ler-se na actualização do Fiscal Monitor do Fundo, publicado ontem.

"Esse perigo [de fadiga de austeridade] existe", reconhece João Loureiro, economista e professor da Universidade do Porto. "E o risco será ainda maior se [as eventuais medidas adicionais de austeridade] forem pelo lado da receita fiscal, nomeadamente impostos sobre o rendimento, seja de trabalho ou de capital", acrescenta.[CORTE_EDIMPRESSA]

A instituição liderada por Christine Lagarde alerta assim para o perigo de se estar a atingir um ponto em que as economias não aguentam mais austeridade, com o risco de se tornar contraproducente. Apesar disso, até ver, o FMI frisa que, no caso específico de Portugal, o ajustamento "está a correr como previsto" e que a meta do défice de 4,5% do PIB, para este ano, deverá ser atingida maioritariamente através de cortes na despesa.

O impacto da austeridade sobre a actividade económica continua a aumentar. Nesse sentido, o Fundo reviu em baixa as previsões para o crescimento mundial em 2012 e 2013, na actualização do World Economic Outlook, também divulgada ontem.

A deterioração da situação económica de alguns parceiros de Portugal, como é o caso de Espanha, é evidenciada pelo FMI. E poderá comprometer ainda mais as perspectivas de crescimento do país, através do impacto nas exportações. No entanto, o primeiro-ministro mostrou-se confiante na trajectória da economia nacional, frisando que o país já inverteu a trajectória em que estava quando pediu ajuda. "Para quem ainda há um ano atrás esteve a dois passos da bancarrota, isto é, de não ter dinheiro para cumprir os seus compromissos externos e internos, nós conseguimos, em pouco mais de um ano, reduzir significativamente as nossas necessidades adicionais de financiamento da economia", disse Passos Coelho, acrescentando que "a economia portuguesa está em condições de merecer cada vez mais a confiança do exterior".

Atenção deve centrar-se nas metas estruturais
Perante o arrefecimento cada vez maior da actividade económica, o FMI frisa que os países devem olhar com mais atenção para as metas estruturais. "Regra geral, a atenção deve centrar-se no cumprimento das metas orçamentais estruturais e não dos objectivos nominais, que provavelmente serão afectados pelas condições económicas", lê-se no relatório. "Os estabilizadores automáticos [redução dos impostos pagos e o aumento das prestações sociais em tempo de crise] devem poder operar integralmente nas economias que não estejam sujeitas a pressões de mercado", acrescenta.

No entanto, o Fundo admite: "Nos países sob programas [de ajuda externa], as limitações ao financiamento tornam as metas nominais necessariamente mais vinculativas". E em conferência de imprensa o economista chefe do FMI, Olivier Blanchard, voltou a reiterar que os "países sob pressão" dentro da zona euro têm de manter a consolidação orçamental, ajustamento de salários e preços, reformas estruturais e estar prontos para recapitalizar bancos, embora não se estivesse a referir especificamente a Portugal.

António Mendonça, economista e ex-ministro das Obras Públicas, reconhece que o programa de ajuda dá menos margem de manobra a Portugal para falhar metas, mas lembra que o programa é flexível e prevê ajustamentos. "Apesar dos problemas do défice e do aumento dos riscos de incumprimento das metas para este ano, não podemos ter uma abordagem exclusiva de austeridade e lançar mais medidas, porque corremos o risco de reproduzir em escala ampliada as dificuldades que estão na origem da deterioração dos problemas que estamos a ver na execução orçamental", diz.

Sem mais medidas défice fica em 5,3%
Sem medidas de austeridade adicionais, o défice ficará em 5,3% do PIB este ano, ao invés dos 4,5% acordados com a ‘troika' no memorando de entendimento, revela o BPI, num relatório sobre a consolidação orçamental em Portugal. O banco frisa que a análise deve ser lida com precaução, mas avisa que "o impacto do ciclo [económico] sobre as contas do Estado parece ter sido subestimado", lembrando que as receitas fiscais estão muito aquém do previsto, enquanto a despesa com prestações sociais continua a subir acima do orçamentado. No entanto, o BPI frisa que mais medidas de austeridade para cumprir a meta de 4,5% podem tornar-se contraproducentes."A adopção de medidas de consolidação adicionais na actual fase do ciclo [económico] poderia acentuar o seu declínio, acrescendo à tendência negativa da colecta fiscal e com efeitos finais adversos", conclui.

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